Notícia

Biossensor detecta estágio inicial (assintomático) do câncer de mama

Pesquisadores da Unicamp desenvolvem biossensor de grafeno e nanopartículas de ouro com anticorpos específicos

: Antônio Scarpinetti e Fábio Reis, Unicamp

Fonte

Unicamp

Data

domingo, 29 novembro 2015 14:10

Áreas

Nanotecnologia. Bioeletrônica. Biotecnologia. Bioquímica.

Uma pesquisa inédita do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp) permitiu a fabricação de um dispositivo altamente sensível, do tamanho de uma moeda de cinquenta centavos com 64 sensores integrados, capaz de identificar precocemente o câncer de mama, o mais frequente entre as mulheres, com 8,2 milhões de óbitos anuais em todo o mundo, conforme relatório divulgado em 2013 pela Agência Internacional para a Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês), órgão vinculado à Organização Mundial da Saúde (OMS).

O dispositivo, desenvolvido pela pesquisadora Dra. Cecília de Carvalho Castro e Silva e pelo Prof. Dr. Lauro Tatsuo Kubota, pode detectar de forma bastante simples e em poucos minutos a presença de uma proteína que indica o surgimento de um tumor mamário, ainda em seu estágio de pré-desenvolvimento, antes do aparecimento do nódulo. O exame com o dispositivo, que ainda não foi testado em seres vivos, permitirá a detecção do câncer por meio de uma única gota de sangue.

A Dra. Cecília de Carvalho Castro e Silva explica que o biossensor é capaz de identificar a proteína HER2 (Human Epidermal Growth Factor Receptor 2, na sigla em inglês) que, em quantidades anormais, se expressa em 25% a 30% dos casos de câncer de mama. A proteína HER2 torna-se desta forma, conforme a estudiosa, um importante biomarcador para o câncer mamário.

“Estudos demonstram que há células em desenvolvimento no tecido mamário antes do aparecimento do tumor. Portanto, antes do surgimento de um nódulo, seria possível detectar precocemente o câncer de mama. Os métodos tradicionais utilizam o exame do toque da mama e a mamografia. No exame do toque a mulher só consegue identificar o câncer quando o nódulo já está com um centímetro ou mais. Na mamografia é possível detectar nódulos de até quatro milímetros. Nestes casos o câncer já está instalado e, muitas vezes, pode ser tarde”, observa a Dra. Cecília.

Ainda de acordo com ela, o objetivo foi desenvolver uma ferramenta analítica para que pacientes ou grupos de riscos pudessem fazer o monitoramento, mês a mês, nos níveis desta proteína. “Muitos estudos mostram que, seis meses antes da paciente começar a desenvolver o tumor, os níveis do HER2 no soro sanguíneo aumentam, passando do que seria um nível normal de 12 nanogramas por mililitros, até chegar ao estágio de 15 nanogramas por mililitros ou mais”, relaciona.

O dispositivo capaz de fazer esta detecção foi elaborado como um tipo de transistor de efeito de campo à base de grafeno modificado com nanopartículas de ouro. A pesquisadora explica que a condutividade elétrica nestes dispositivos pode ser modulada através da interação com espécies químicas e biológicas.

A ultrassensibilidade deste biossensor foi possível graças a três fatores, conforme a autora do trabalho: o tipo de grafeno empregado; a incorporação das nanopartículas de ouro; e a imobilização orientada de anticorpos sobre o grafeno. Os anticorpos, proteínas produzidas pelo sistema imunológico para identificar e neutralizar bactérias, vírus ou células tumorais, foram utilizados como elementos receptores do dispositivo.

“O biossensor possui uma folha de grafeno com nanopartículas de ouro. Estas partículas estão imobilizadas, e foi isso que permitiu um nível de detecção ainda maior. Depois que estas partículas de ouro são imobilizadas sobre o grafeno, fizemos a imobilização dos anticorpos. Os anticorpos reconhecem especificamente esta proteína HER2. Portanto, quando estes anticorpos interagem com essa proteína, há mudanças nos valores de condutividade. E nós conseguimos associar a concentração deste biomarcador com as mudanças na condutividade do dispositivo”, revela.

Utilizando estas três estratégias, o dispositivo com 64 sensores é capaz de identificar uma quantidade da proteína HER2 de até 500 fentogramas por mililitros, ou seja, um volume dez vezes elevado a menos quinze gramas por mililitros. Além da ultrassensibilidade, o método elaborado prevê o desenvolvimento em larga escala do biossensor.

O dispositivo foi desenvolvido como parte da tese de doutorado de Cecília Castro e Silva, defendida recentemente junto ao Programa de Pós-Graduação do IQ. O estudo, orientado pelo professor Lauro Tatsuo Kubota, do Departamento de Química Analítica da Unidade, faz parte de uma linha de pesquisa destinada à criação de sensores eletroquímicos para detecção de espécies de interesse biológico, farmacêutico e ambiental.

Uma parte dos experimentos foi realizada na Rutgers University, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, por meio de doutorado sanduíche entre as duas instituições. Em Nova Jersey, no laboratório coordenado pelo professor Manish Chhowalla, a pesquisadora realizou a síntese e caracterização do grafeno.

“Sintetizamos via processo de deposição química em fase de vapor. Por esta técnica é possível sintetizar essa monocamada de átomos de carbono de até quatro polegadas”, observa a Dra. Cecília, que é graduada em química pela Universidade Estadual de Maringá.

Após o período de um ano nos Estados Unidos, financiado pelo programa federal Ciência sem Fronteiras, Cecília e o professor Lauro Kubota começaram a trabalhar com a fabricação do dispositivo e os processos envolvendo a área de microeletrônica. Nesta etapa, houve a colaboração de técnicos e pesquisadores do Centro de Componentes Semicondutores (CCS) da Unicamp, coordenado pelo Prof. Dr. Alexandre Diniz, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC).

“Um ponto importante a salientar é que para desenvolver este dispositivo nós aprendemos o funcionamento e a fabricação do transistor. E isso não é uma tarefa trivial para um químico. Nós não pedimos simplesmente a um engenheiro elétrico para desenvolver o transistor, mas com o auxílio dele, desenvolvemos o dispositivo. Isso porque nós queríamos aprender a fazer o transistor, entender o seu funcionamento para utilizar o seu princípio de acordo com nossos objetivos. Nós, agora, conseguimos configurar o transistor da forma que acreditamos ser a melhor para fazer a detecção. Isso é um ganho muito relevante”, avalia o orientador Dr. Lauro Kubota.

Além das parcerias, a pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) em Bioanalítica, coordenado pelo professor Lauro Kubota. Os INCTs são centros de excelência criados pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A Unicamp possui nove INCTs até o momento.

Potencialidades

O dispositivo apresenta uma série de potencialidades, conforme o orientador Lauro Kubota. “Nós poderíamos, por exemplo, em cada um dos 64 biossensores, desenvolver procedimentos para o reconhecimento de marcadores para diferentes tipos de doença. Portanto, com uma simples gota de sangue, seria possível, no futuro, um diagnóstico completo do indivíduo”, prevê.

Neste ponto, Cecília Castro e Silva informa que o próximo passo da pesquisa é trabalhar no sentido de mobilizar diferentes tipos de anticorpos para o reconhecimento de diferentes biomarcadores para o câncer de mama. “Teríamos um teste extremamente exato, conseguindo detectar, por exemplo, se aquela mulher está expressando outros tipos de biomarcadores para o câncer de mama, não apenas aquele oriundo da proteína HER2. Portanto, mais mulheres poderiam ser diagnosticadas pelo teste.”

Além disso, a miniaturização do dispositivo permite que ele possa ser produzido em larga escala a um custo relativamente baixo. A pesquisadora ressalta que o biossensor poderá ser fabricado em substratos plásticos, o que baratearia ainda mais o custo, tornando-o, ao mesmo tempo, descartável, por conta do tipo de amostra utilizada.

“Poderíamos ainda fazer com que este substrato flexível se torne biocompatível. Isso permitirá, por exemplo, que no futuro estes dispositivos possam ser bioimplantáveis, fazendo um monitoramento contínuo, tanto em mulheres que estão em tratamento, quanto nos grupos de risco”, acrescenta.

Fonte: Sílvio Anunciação, Unicamp. Imagem: Antônio Scarpinetti e Fábio Reis, Unicamp.

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